segunda-feira, 14 de março de 2016

IMPOSTO QUE SALVA VIDAS

No artigo “Impostos e princípios constitucionais”, publicado no GLOBO em 22 de fevereiro, Denis Lerrer Rosenfield tece considerações importantes sobre a constitucionalidade da aplicação de impostos, mas erra ao escolher o setor do tabaco para exemplificar suas teses.
Apesar de todos os esforços para a redução do tabagismo, o cigarro continua a ser responsável pela morte de cerca 150 mil brasileiros por ano. No mundo, o número de vítimas anuais é da ordem de seis milhões, a maior parte em países pobres.
A lucratividade da indústria do tabaco dá-se às custas de dependentes químicos capturados ainda na infância e adolescência por práticas de marketing enganosas. O tabagista expõe-se à cerca de 4.700 substâncias tóxicas da fumaça dos cigarros, responsáveis por doenças cardiovasculares e respiratórias e câncer, só para citar algumas. Nós, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), estimamos que 28.220 pessoas serão diagnosticadas com câncer de pulmão em 2016, das quais cerca de 90% são fumantes.
A indústria do tabaco impõe ainda um fardo econômico à sociedade. Nos EUA, o Centro de Controle de Doenças estima que em 2016 o tabagismo custará US$ 300 bilhões, frente a uma arrecadação de impostos de US$ 26 bilhões. No Brasil, estudo da Fiocruz demonstrou que em 2011 gastamos cerca de R$ 21 bilhões só no tratamento de 15 tipos de doenças relacionadas ao tabaco, enquanto a arrecadação tributária sobre o setor foi de pouco mais de R$ 6 bilhões.
O flagelo imposto pela massificação do consumo dessa droga letal motivou 192 países a aprovarem em 2003 a Convenção Quadro da OMS para Controle do Tabaco, tratado internacional para mitigação dos danos sanitários, sociais e econômicos do tabagismo.
O Congresso brasileiro ratificou a Convenção em 2005, e implantamos uma série de medidas que reduziram a prevalência de fumantes adultos no país de 18,2% em 2008 para 14,7% em 2013. Estudos comprovam que a medida mais eficaz foi o aumento dos impostos sobre cigarros a partir de 2007, associado a uma política de preços mínimos, mecanismos previstos na Convenção. O imposto sobre cigarro salva vidas!
Ciente da eficácia da medida, a indústria tabagista financia um lobby para associar a elevação dos impostos ao aumento do contrabando de cigarros do Paraguai. Mas estudos do Banco Mundial não confirmam essa relação e apontam como causas diretas do contrabando a falta de cooperação internacional e a leniência no combate ao crime organizado, à corrupção e à pirataria.

O contrabando de cigarros do Paraguai é um problema grave, e a forma para mitigá-lo é a aprovação pelo Brasil do Protocolo para Eliminar o Mercado Ilegal de Produtos de Tabaco, vinculado à Convenção.
Outra alegação da indústria tabagista, sobre a queda da arrecadação tributária motivada pelo aumento de impostos e do contrabando, não procede. A arrecadação sobre cigarros aumentou de R$ 2,4 bilhões em 2006 para R$ 8,5 bilhões em 2015, recursos que cobrem apenas uma parte dos custos com o tratamento das doenças relacionadas ao tabaco e dos programas de prevenção.
Luis Fernando Bouzas é diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer e Tânia Cavalcante, secretária executiva da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco do Inca
Fonte: O Globo.