*Por Marina Pinhoni, G1 SP
Melissa Amorim, de 16 anos, é uma das pacientes que fará a prova do Enem no Graacc — Foto: Marcelo Brandt/G1 |
“Ainda estou muito confusa sobre o que eu quero. Mas eu gosto muito de Física, Química e Biologia, então vou fazer algo que tenha a ver com essas áreas. Estou nervosa com a prova, mas vou dar o meu melhor para conseguir uma boa nota”, afirma a jovem.
O local onde realizará o exame, no entanto, diz muito sobre uma dificuldade extra que ela enfrenta: Melissa é um dos 33 pacientes em tratamento contra o câncer no Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer) que farão a prova este ano no hospital, que fica na Zona Sul de São Paulo.
Nesta quinta-feira (1), ela e outros alunos participaram da última aula de preparação com professores da Escola Móvel para esclarecer dúvidas. Embora contem com a estrutura para atender suas necessidades clínicas, os pacientes têm que obedecer as mesmas regras dos demais candidatos e serão acompanhados por fiscais do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)
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Melissa tem osteosarcoma, um tipo raro de câncer que atinge os ossos. Desde que iniciou o tratamento em 2014, ela já passou por duas cirurgias: uma no braço e outra para retirar nódulos que se espalharam pelo pulmão. Após receber alta, ela teve a notícia no início de outubro deste ano de que o câncer havia voltado. Mesmo no meio da nova quimioterapia, ela não se deixa abalar.
“Foi uma reviravolta na minha vida. Foi um baque, mas a gente se levantou. Mesmo passando por essa dificuldade, não quer dizer que isso vai me impedir de fazer algo no meu futuro, de ser alguém no futuro”, afirma.
Gabriel dos Santos, de 17 anos, quer cursar Engenharia Mecânica — Foto: Marcelo Brandt/G1 |
“Como é a primeira vez, eu estou bastante ansioso. Mas qualquer coisa eu faço ano que vem de novo. Como o câncer voltou muito em cima da hora, eu não vou prestar outros vestibulares. Ano que vem pretendo fazer também Fuvest e outras provas”, diz.
Gabriel tem aulas com os professores da Escola Móvel desde 2015, quando começou o tratamento contra o linfoma, tipo de câncer que atinge o sistema linfático. Ele também chegou a ter alta e foi para a escola regular. Mas desde que o câncer reincidiu, há quatro meses, voltou a estudar no hospital.
“Quando está muito enjoado é difícil. Mas os professores entendem, eles esperam, voltam numa melhor hora para terminar a aula tranquilamente. Isso ajuda bastante, passa o tempo, distrai”, diz o jovem.
Darley Silva, de 19 anos, participa de aula preparatória do Enem no Graacc ao lado de outros pacientes — Foto: Marcelo Brandt/G1 |
“A descoberta da doença não foi muito um choque porque eu não assimilei o que estava rolando. Só quando eu já tinha feito umas seis ou sete sessões de quimioterapia que eu fui sacar. Aí já não estava conseguindo estudar, não estava conseguindo conciliar as coisas, como se não tivesse uma outra vida. Mas você tem uma vida lá fora enquanto você está se tratando e você vai ter uma vida depois. Então fiquem tranquilos, porque vai dar certo. É algo que eu tento passar para todo mundo que está fazendo agora”, diz.
Após lutar contra a doença desde 2016, ele terminou o tratamento em abril deste ano. Ele pretende cursar Letras, e também vai fazer o vestibular da Fuvest para tentar vaga na Universidade de São Paulo (USP).
Também na terceira tentativa na prova, Bárbara Nicoletti, de 19 anos, não tem dúvidas da carreira que quer seguir: Enfermagem. “Quando ela pequena já queria fazer medicina, mas como fiquei vários anos fazendo tratamento no hospital, comecei a ver que as enfermeiras eram quem colocavam a mão na massa, que cuidavam das pessoas. Eu gosto de cuidar. SDer enfermeira é um sonho muito grande”, afirma.
Pacientes em tratamento contra o câncer no Graacc participam de aula preparatória para o Enem — Foto: Marcelo Brandt/G1 |
Projeto Escola Móvel
O Escola Móvel existe desde 2000 no Graac e oferece atendimento individual para os pacientes em tratamento, seguindo o cronograma da escola onde ele está regularmente matriculado. O projeto é reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC).
“Desde que o projeto foi criado já passaram por nós cerca de 5.300 alunos. Todo o paciente que tem a partir de 5 anos a gente faz o atendimento escolar. Temos professores de todas as áreas do conhecimento, e eles atendem tanto os internados quanto os do ambulatório. Quem vai dizer pra gente se se sente bem para fazer a aula é o próprio paciente”, afirma a orientadora educacional Géssica Rozante.
Já as provas do Enem são realizadas no hospital desde 2005, quando o exame foi solicitado para uma aluna que passou por transplante de medula óssea. Neste ano, serão 33 pacientes atendidos.
“A gente viu essa adesão dos adolescentes de fazer a prova durante o tratamento aumentar muito ao longo dos últimos anos”, diz Géssica.