quinta-feira, 1 de novembro de 2018

‘Dificuldade não vai me impedir de ser alguém no futuro’, diz aluna com câncer que fará Enem em hospital

Estudantes em tratamento participaram nesta quinta-feira (1) da última aula preparatória do Graacc antes da realização do exame no hospital neste domingo (4), em São Paulo.

*Por Marina Pinhoni, G1 SP

Melissa Amorim, de 16 anos, é uma das pacientes que fará a prova do Enem no Graacc — Foto: Marcelo Brandt/G1
Aos 16 anos, Melissa Amorim convive com dúvidas e um certo nervosismo muito comuns para os adolescentes de sua idade. Cursando o segundo ano do Ensino Médio, ela ainda não escolheu a carreira que pretende seguir, mas vai realizar a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pela primeira vez neste domingo (4) para treinar.

Ainda estou muito confusa sobre o que eu quero. Mas eu gosto muito de Física, Química e Biologia, então vou fazer algo que tenha a ver com essas áreas. Estou nervosa com a prova, mas vou dar o meu melhor para conseguir uma boa nota”, afirma a jovem.

O local onde realizará o exame, no entanto, diz muito sobre uma dificuldade extra que ela enfrenta: Melissa é um dos 33 pacientes em tratamento contra o câncer no Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer) que farão a prova este ano no hospital, que fica na Zona Sul de São Paulo. 


Nesta quinta-feira (1), ela e outros alunos participaram da última aula de preparação com professores da Escola Móvel para esclarecer dúvidas. Embora contem com a estrutura para atender suas necessidades clínicas, os pacientes têm que obedecer as mesmas regras dos demais candidatos e serão acompanhados por fiscais do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

Leia também: As lições de quem faz o Enem dentro de um hospital

Melissa tem osteosarcoma, um tipo raro de câncer que atinge os ossos. Desde que iniciou o tratamento em 2014, ela já passou por duas cirurgias: uma no braço e outra para retirar nódulos que se espalharam pelo pulmão. Após receber alta, ela teve a notícia no início de outubro deste ano de que o câncer havia voltado. Mesmo no meio da nova quimioterapia, ela não se deixa abalar.

Foi uma reviravolta na minha vida. Foi um baque, mas a gente se levantou. Mesmo passando por essa dificuldade, não quer dizer que isso vai me impedir de fazer algo no meu futuro, de ser alguém no futuro”, afirma.
Gabriel dos Santos, de 17 anos, quer cursar Engenharia Mecânica — Foto: Marcelo Brandt/G1
Assim como Melissa, Gabriel dos Santos, de 17 anos, também fará a prova pela primeira vez. Mas no caso dele é para valer, já que está no terceiro ano do Ensino Médio. Fã de Matemática, ele pretende concorrer a uma vaga no curso de Engenharia Mecânica.

Como é a primeira vez, eu estou bastante ansioso. Mas qualquer coisa eu faço ano que vem de novo. Como o câncer voltou muito em cima da hora, eu não vou prestar outros vestibulares. Ano que vem pretendo fazer também Fuvest e outras provas”, diz.

Gabriel tem aulas com os professores da Escola Móvel desde 2015, quando começou o tratamento contra o linfoma, tipo de câncer que atinge o sistema linfático. Ele também chegou a ter alta e foi para a escola regular. Mas desde que o câncer reincidiu, há quatro meses, voltou a estudar no hospital.

Quando está muito enjoado é difícil. Mas os professores entendem, eles esperam, voltam numa melhor hora para terminar a aula tranquilamente. Isso ajuda bastante, passa o tempo, distrai”, diz o jovem.
Darley Silva, de 19 anos, participa de aula preparatória do Enem no Graacc ao lado de outros pacientes — Foto: Marcelo Brandt/G1
Já o “veterano” Darley de Araújo Silva, de 19 anos, tenta usar sua experiência para ajudar e aconselhar os colegas que vão prestar a prova pela primeira vez. Esta é a sua terceira tentativa no Enem, sendo que a última também foi feita o ano passado no hospital.

A descoberta da doença não foi muito um choque porque eu não assimilei o que estava rolando. Só quando eu já tinha feito umas seis ou sete sessões de quimioterapia que eu fui sacar. Aí já não estava conseguindo estudar, não estava conseguindo conciliar as coisas, como se não tivesse uma outra vida. Mas você tem uma vida lá fora enquanto você está se tratando e você vai ter uma vida depois. Então fiquem tranquilos, porque vai dar certo. É algo que eu tento passar para todo mundo que está fazendo agora”, diz.

Após lutar contra a doença desde 2016, ele terminou o tratamento em abril deste ano. Ele pretende cursar Letras, e também vai fazer o vestibular da Fuvest para tentar vaga na Universidade de São Paulo (USP).

Também na terceira tentativa na prova, Bárbara Nicoletti, de 19 anos, não tem dúvidas da carreira que quer seguir: Enfermagem. “Quando ela pequena já queria fazer medicina, mas como fiquei vários anos fazendo tratamento no hospital, comecei a ver que as enfermeiras eram quem colocavam a mão na massa, que cuidavam das pessoas. Eu gosto de cuidar. SDer enfermeira é um sonho muito grande”, afirma.

Pacientes em tratamento contra o câncer no Graacc participam de aula preparatória para o Enem — Foto: Marcelo Brandt/G1

Projeto Escola Móvel

O Escola Móvel existe desde 2000 no Graac e oferece atendimento individual para os pacientes em tratamento, seguindo o cronograma da escola onde ele está regularmente matriculado. O projeto é reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC).

Desde que o projeto foi criado já passaram por nós cerca de 5.300 alunos. Todo o paciente que tem a partir de 5 anos a gente faz o atendimento escolar. Temos professores de todas as áreas do conhecimento, e eles atendem tanto os internados quanto os do ambulatório. Quem vai dizer pra gente se se sente bem para fazer a aula é o próprio paciente”, afirma a orientadora educacional Géssica Rozante.

Já as provas do Enem são realizadas no hospital desde 2005, quando o exame foi solicitado para uma aluna que passou por transplante de medula óssea. Neste ano, serão 33 pacientes atendidos.

A gente viu essa adesão dos adolescentes de fazer a prova durante o tratamento aumentar muito ao longo dos últimos anos”, diz Géssica.

Professor da Escola Móvel dá aula de Matemática para paciente do Graacc — Foto: Marcelo Brandt/G1