segunda-feira, 6 de junho de 2022

'Cabeleireiro viu mancha e me alertou para câncer'

Quando a gente vai cortar o cabelo, é esperado que a conversa no salão gire em torno de temas leves e corriqueiros, como a rodada do futebol, as fofocas das celebridades ou as notícias do momento.

Enquanto mexia e cortava o meu cabelo, ele notou uma mancha suspeita (parecida com a imagem que abre esta reportagem) debaixo de alguns fios, perto da orelha direita. Na avaliação dele, aquilo era um sinal típico de melanoma, tumor que atinge a pele e costuma ser agressivo.

Como repórter de saúde prevenido e acostumado a ler e escrever muito sobre o assunto, resolvi agendar na mesma semana uma consulta dermatológica. De fato, o alerta fazia sentido: aquela mancha na minha cabeça podia mesmo ser um tumor. Havia, inclusive, a indicação de removê-la numa cirurgia e enviar o material para biópsia.

Passei por todo o procedimento, com direito a anestesia e internação, e felizmente o resultado da análise laboratorial revelou que se tratava de uma alteração benigna, sem relação com algo mais grave. Mesmo assim, os médicos sugeriram que eu fizesse um acompanhamento todos os anos, para medir o tamanho de outras manchas e pintas que tenho espalhadas pelo corpo — caso elas cresçam, pode ser necessário removê-las também.

Passados quase quatro anos deste episódio, ainda penso nas ironias do câncer de pele. Afinal, falamos de uma doença marcada por uma lesão aparente, visível a olho nu. Mesmo assim, não é raro que ela só seja detectada num estágio avançado, após anos de desenvolvimento. Para piorar, numa parcela pequena de pacientes, o tumor brota em áreas que a gente simplesmente não consegue enxergar.

Poderia ser meu caso, com o aparecimento da mancha no couro cabeludo. Ou o de um indivíduo que vive sozinho e não consegue ver em detalhes a região genital ou as costas, as nádegas e a parte traseira das coxas por completo.

Mas quando se preocupar com esse tipo de tumor? E quais são as estratégias que os médicos, os próprios pacientes e outros profissionais, não necessariamente vinculados à área da saúde, podem colocar em prática para detectar a enfermidade o quanto antes?

Menos frequente, mais grave

O câncer de pele é extremamente comum. Ele representa cerca de 30% de todos os tumores que são diagnosticados.

Em linhas gerais, há três subtipos da doença que afetam a camada externa do nosso corpo: o carcinoma basocelular, o carcinoma espinocelular e o melanoma.

Os dois primeiros são os mais frequentes e configuram cerca de 97% dos casos da doença. A boa notícia é que eles costumam ser bem mais simples e fáceis de lidar. Nesse contexto, é possível falar de cura na maioria das vezes.

"O melanoma se origina nos melanócitos, um tipo de célula produtora do pigmento que determina a cor da pele", explica o médico Renato Marchiori Bakos, coordenador do Departamento de Oncologia Cutânea da Sociedade Brasileira de Dermatologia.

O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que 8.450 brasileiros são diagnosticados com melanoma todos os anos — desses, 1.923 morrem devido à doença.

Os principais fatores de risco para o desenvolvimento dessa enfermidade são a exposição frequente ao sol sem nenhum tipo de proteção, o uso de câmaras de bronzeamento artificial, ter pele ou olhos claros e o histórico familiar (quando um parente próximo foi diagnosticado com o mesmo problema no passado).

Tão perto e tão longe da vista

O oncologista João Duprat, líder do Centro de Referência de Tumores Cutâneos do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, também vê com certa ironia as barreiras para o diagnóstico precoce do melanoma.

"Por um lado, trata-se de um câncer que está na pele e pode ser visto a olho nu, sem a necessidade de exames de imagem complexos para o diagnóstico", diz.

Em linhas gerais, os especialistas entendem que há uma falta de informação sobre quais são os sinais sugestivos de um melanoma e quando é preciso buscar a avaliação de um profissional.

Para isso, eles criaram a "regra do ABCDE", que resume os cinco principais atributos de um possível tumor na pele:
  • A de assimetria: pintas ou manchas disformes, em que um lado é diferente do outro;
  • B de borda: as margens delas são irregulares e borradas;
  • C de cores: há mais de um tom ali, que pode variar entre branco, preto, cinza e marrom;
  • D de diâmetro: pintas e manchas com mais de 5 milímetros de extensão;
E de evolução: mudanças de tamanho, cor, formato ou aparência com o passar do tempo.
"Na presença de uma ou mais dessas características, é importante buscar um dermatologista", orienta Duprat.

No próprio consultório, o médico usa equipamentos simples (como o dermatoscópio) para verificar o que está ocorrendo e indicar a conduta mais adequada.

Uma lesão difícil de visualizar

Bakos explica que o melanoma costuma aparecer com mais frequência na face, no tronco e nos membros.

"Na maioria das vezes, eles estão associados às queimaduras de sol ao longo da vida", aponta o dermatologista, que também é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Numa parcela menor dos pacientes com melanoma, é ainda mais complicado fazer o diagnóstico precoce: as lesões se desenvolvem em locais difíceis de ver por conta própria, como o próprio couro cabeludo, citado no início da reportagem, na região genital ou nas costas. O melanoma pode, inclusive, aparecer até embaixo da unha.

*Por André Biernath, BBC — Da BBC News Brasil em Londres