Superamos os países de maior população tabagista em três quesitos importantes. Primeiro, obtivemos a maior queda na proporção de fumantes relativamente à população total. Nossa redução foi de 56%, enquanto a do resto do mundo girou em torno de 30%. Segundo, o Brasil foi o único a obter taxas de redução praticamente iguais entre homens e mulheres. A tendência global é de queda menor entre homens. E terceiro, fomos o país que mais reduziu a proporção de fumantes entre os jovens de 15 a 19 anos, o que é duplamente importante: indica que o peso de fumantes na população vai declinar ainda mais no futuro e que os efeitos danosos do fumo serão menores, pois esses tendem a agravar-se quanto mais tempo durar o vício.
Essas conquistas tiveram início quando fui ministro da Saúde, no segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que apoiou integralmente as medidas propostas. A primeira grande medida foi a proibição absoluta da propaganda de cigarros, incluindo a vedação de as diferentes marcas patrocinarem eventos culturais e esportivos.
Reitero o que dizíamos na época: a publicidade de cigarros é enganosa, ao associar o fumo à vida saudável, ao romance, à beleza e à virilidade. A valorização cultural do cigarro, ligando-o a estilos de personalidade vencedores, prazerosos ou descolados, incitava perversamente a curiosidade e o desejo de experimentação próprios da juventude. No século 19, Thomas de Quincey, com sua Confissões de um Comedor de Ópio, e Charles Baudelaire, com Paraísos Artificiais, deram corpo a essa associação implausível entre o vício e a liberdade. A noção de que as drogas dariam acesso a “níveis de consciência” até então submersos vem desses autores e foi parte integrante da contracultura dos anos 1960.
A exaltação romântica e popular do cigarro chegou ao clímax com Carlos Gardel, que gravou nos anos 20 do século passado o genial tango Fumando Espero, que passou a integrar as listas mundiais das grandes canções populares: Fumar es um placer, genial, sensual/ fumando espero a la (mujer) que tanto quiero…
A campanha antitabagista, claro, sofreu a oposição dos fabricantes e de algumas agências de publicidade. Argumentaram que estaríamos tolhendo a liberdade de expressão, como se romper a associação entre tabagismo e sucesso, antes de representar um ataque ao charlatanismo, fosse imposição da censura.
Complementando a ofensiva sobre a publicidade enganosa, produzimos anúncios de TV mostrando os malefícios do cigarro e até mesmo cenas de grandes artistas brasileiros que estariam vivos se não fosse o vício do fumo. Sucesso maior foi trazer ao Brasil o irmão do célebre cowboy do Marlboro, que relatou a todos como o ator morreu de câncer no pulmão, provocado pelo cigarro.
Obrigamos também a que se colocassem nos maços advertências com imagens bastante fortes, exibindo cruamente as doenças que o cigarro provoca. O público que se quis alcançar com essa contrapropaganda eram os fumantes e os não fumantes propensos ao hábito, com ênfase nos jovens, que sempre foram o principal alvo da indústria.
Finalmente, como governador de São Paulo, adotei medida que se espalhou rapidamente pelos Estados: a proibição do fumo em prédios públicos, incluindo bares e restaurantes. Na época, uma associação de restaurantes se opôs à nova lei, alegando que ela traria desemprego ao setor, incluindo garçons e DJs. Pois bem, o governo procurou as entidades dos trabalhadores da área e todas apoiaram o projeto. Fiz até pesquisa pessoal com garçons e DJs. Todos estavam do nosso lado!
Os excelentes resultados dessas iniciativas não significam que nos possamos deitar sobre os louros. Ainda temos 19 milhões de fumantes. Mais de 80% deles querem largar o fumo, mas não conseguem. A pesquisadora Márcia Pinto, da Fiocruz, calculou em 2015 que as doenças decorrentes do tabagismo custam R$ 23,3 bilhões por ano!
Um estudo da Universidade de Montreal, de 2008, mostrou que mais de 70% dos adolescentes que têm contato com o cigarro tentam largar o hábito. Só 19% conseguem. São uma presa fácil.
Por isso temos de ser incisivos no combate ao fumo entre os jovens. Em 2015 propus no Senado um projeto de lei que tem três objetivos: 1) Eliminar a propaganda de cigarros nos pontos de venda e padronizar a apresentação gráfica dos maços; 2) impedir o uso de aromatizantes nos cigarros, que são utilizados pela indústria para atrair os jovens com sabores de menta, cravo-da-índia etc.; e 3) impor multa quando adultos fumarem em veículo que estiver transportando criança ou adolescente.
Apesar de a sociedade majoritariamente apoiar o combate ao tabagismo, essas medidas são vistas com preocupação pelas famílias de plantadores de fumo, especialmente no Sul e na Bahia. É preciso esclarecer que esse projeto não trará prejuízo à atividade: mais de 80% da produção é voltada para a exportação. Na perspectiva dos plantadores, mais grave é a expansão do contrabando de cigarros. Hoje, um terço do consumo brasileiro é suprido por produto que entra ilegalmente no País.
Isso deve ser combatido. De outra parte, o número de fumantes no mundo não deve cair em termos absolutos. A demanda externa da matéria-prima da produção de cigarros será mantida. Em alguns casos, como em Bangladesh e na Indonésia, houve até aumento na porcentagem de fumantes. Não há risco de colapso da atividade.
Combater o tabagismo é sempre bom, não só para a saúde, mas também para as finanças públicas.
Quanto mais reduzirmos as doenças evitáveis, mais recursos teremos para combater as inevitáveis.
*Senador (PSDB-SP)
*Fonte: Estadão.