quinta-feira, 3 de agosto de 2017

NOVO EXAME TRAÇA PERFIL DO CÂNCER DE MAMA E REDUZ EFEITOS ADVERSOS

Teste desenvolvido pela Fiocruz pode mudar tratamento da doença
Desenvolvido no Rio de Janeiro, um novo tipo de exame molecular promete mudar estratégias no tratamento do câncer. Diferentemente da maioria dos testes disponíveis no mercado, ele não busca alterações em genes associados às causas da doença. A meta é identificar que genes estão ativos somente nos tumores, mesmo que não sejam eles próprios a origem da doença. Com isso, os criadores do teste esperam reduzir efeitos colaterais e aumentar as chances de cura e sobrevida dos pacientes.
Resultado do trabalho de pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), o diagnóstico molecular já recebeu uma patente e será testado em pacientes por meio de uma parceria com o hospital A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. Na primeira etapa do trabalho, apenas o câncer de mama está em estudo.
“Mas essa metodologia pode ser empregada para analisar qualquer tumor sólido, além de doenças associadas ao envelhecimento, como o mal de Alzheimer”, explica o especialista em bioinformática do CDTS/Fiocruz Nicolas Carels, um dos cientistas envolvidos no desenvolvimento da metodologia.
O teste é personalizado, pois traça um perfil do tumor específico da paciente. Porém, revela também informações que podem ser usadas para os médicos avaliarem que combinação específica de medicamentos uma determinada paciente deve tomar.
“Quanto mais específico o tratamento, maior a eficiência e menor o risco de efeitos colaterais. Isso porque se reduz a possibilidade de receitar medicamentos que não trarão benefícios, mas nem por isso deixarão de causar efeitos adversos”, observa a coautora do trabalho Tatiana Tilli, também do CDTS/Fiocruz.
Ela lembra que os efeitos colaterais da quimioterapia devastam a saúde dos pacientes com câncer e aumentam os custos do tratamento da doença. Nos Estados Unidos, onde há estimativas mais precisas, sabe-se que tratar os efeitos adversos da quimioterapia consome 70% do US$ 1 bilhão gastos por ano somente com o câncer de mama, o mais frequente em mulheres tanto aqui quanto lá.
“O peso dos efeitos colaterais assusta. No Brasil, ninguém sabe ao certo quanto custa um paciente com câncer, uma doença cara. Mas se sabe que 80% deles se tratam no Sistema Único de Saúde (SUS) porque não conseguem arcar com os custos do tratamento. Por isso, encontrar formas de reduzir sofrimento e também os custos é extremamente importante para a saúde pública”, destaca Tatiana.
Os pesquisadores analisaram amostras de tumores de mama de 85 mulheres. Encontraram 75 genes alterados em todas elas. E para a metade deles já existem medicamentos aprovados. O teste analisa alterações nos tumores e as compara com amostras de tecidos saudáveis da mesma paciente. Segundo os cientistas, interferir nos 50% já promete melhorar a qualidade de vida das pacientes. “Nosso foco não são as causas, mas o que está ativo no caos. Por isso, o diagnóstico foca no transcriptoma”, diz Carels.
Transcriptoma é o nome dado ao conjunto dos RNAs numa célula. A grosso modo, é o resultado da expressão dos genes. O número e o tipo de genes ativos varia em função da natureza da célula. Uma célula da mama tem “ligados” genes diferentes dos acionados numa célula do fígado, por exemplo.
Num tumor, uma série de genes está alterada. Genes que deveriam estar desligados, funcionam. Outros que deveriam estar trabalhando, são silenciados. Células tumorais são um território de caos genético.
“Com a metodologia que desenvolvemos, podemos identificar no meio desse caos que genes são realmente importantes para a proliferação do tumor. E então buscar drogas que ataquem diretamente esses genes. Procuramos cinco alvos muito específicos, que podem variar de uma pessoa para outra. Ao atacar esses alvos, esperamos desativar as fontes de sobrevivência do tumor”, explica Carels.
O projeto teve financiamento aprovado pelo edital “Apoio ao Empreendedorismo e Formação de Start-ups em Saúde Humana do Estado do Rio de Janeiro”, da Faperj. Com a crise no estado, o dinheiro nunca chegou. Mas o coordenador-geral do CDTS, Carlos Medicis Morel, espera que a parceria público-privada com o A.C. Camargo permita dar prosseguimento ao trabalho: “A parceria público-privada é um mecanismo importante com ou sem crise.”

*Fonte: Gazeta Online