STF julgará proibição dos cigarros com sabor no Brasil |
Têm sido publicadas na mídia, com uma certa e preocupante frequência, acusações de que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) usaria de excessos em relação à regulamentação sobre aditivos no cigarro, tese defendida pela indústria do tabaco na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.874, que deve ser julgada nesta quinta-feira (9) pelo Supremo Tribunal Federal.
Sob a platitude de que as agências “podem muito, mas não podem tudo”, tais acusações induzem o leitor ao equívoco de achar que a Anvisa quer banir o cigarro —o que, sem dúvida, extrapolaria a atribuição legal da agência.
Entretanto, para restabelecer a verdade, o que está em debate na ADI nº 4.874 não é o banimento do cigarro, mas sim se a Anvisa, no estrito cumprimento de sua função legal, pode proibir que a indústria do tabaco utilize aditivos que têm o único objetivo de disfarçar o sabor do tabaco e, assim, facilitar a iniciação de adolescentes ao tabagismo.
Ressalte-se, ainda, que a agência autoriza todos os aditivos que são tecnicamente justificados como imprescindíveis ao processo de fabricação de cigarros.
O argumento de que a proibição de qualquer substância teria que ser aprovada pelo Congresso Nacional contraria a Lei nº 9.782, que explicitamente confere esse papel à agência —além do fato de que isso tornaria impossível a ação de regulação sanitária.
Imagine se, para banir uma substância integrante de um medicamento que demonstrasse ser insegura, fosse necessária a tramitação de um projeto de lei.
Efetivamente, nem é esse papel regulatório, baseado em evidências e análises tecno-científicas, que deve ser realizado pelo Congresso, nem seria possível proteger a saúde da população se a tese fosse colocada em prática.
Igualmente absurda é a tese de que a proibição de uma substância só poderia se dar a posteriori, depois que o risco à saúde ficasse concretizado. Isso vai frontalmente contra todo o marco utilizado para a proteção à saúde.
Ora, se os aditivos proibidos têm o único propósito de induzir mais crianças e adolescentes a experimentarem o cigarro, sabidamente um dos maiores responsáveis por mortes relacionadas ao câncer e às doenças cardiovasculares, deveria se esperar que daqui a 20 anos se constate que a mortalidade relacionada ao tabaco cresceu para, só então, tomar a medida agora proposta exatamente para evitar esse dano à saúde?
No Brasil, estimam-se em 200 mil as mortes anuais em decorrência do tabagismo. O hábito de fumar pode aumentar o risco de morte em 20 a 30 vezes, sendo que o fumo passivo, que atinge os que não fazem a “escolha” por fumar, pode aumentar este risco em 30% a 50%.
Uma série de medidas tem sido adotada no Brasil nos últimos 30 anos para reduzir os índices de tabagismo, com sucesso, como se pode demonstrar pela redução significativa de 34,8% da população adulta que era tabagista em 1989, para menos de 14% atualmente.
Esperamos que, no julgamento, seja estabelecido que a proteção à saúde pode ser exercida preventivamente ante riscos sobejamente conhecidos, dentro da delegação legal recebida pela Anvisa, e que possamos, nesse caso concreto, impedir que crianças e adolescentes sejam atraídas para o cigarro.
JARBAS BARBOSA é diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), médico sanitarista e epidemiologista, com experiência nacional e internacional em temas como saúde pública, epidemiologia aplicada aos serviços de saúde e vigilância em saúde.
*Fonte: Folha de S. Paulo – Tendências/Debates.
Sob a platitude de que as agências “podem muito, mas não podem tudo”, tais acusações induzem o leitor ao equívoco de achar que a Anvisa quer banir o cigarro —o que, sem dúvida, extrapolaria a atribuição legal da agência.
Entretanto, para restabelecer a verdade, o que está em debate na ADI nº 4.874 não é o banimento do cigarro, mas sim se a Anvisa, no estrito cumprimento de sua função legal, pode proibir que a indústria do tabaco utilize aditivos que têm o único objetivo de disfarçar o sabor do tabaco e, assim, facilitar a iniciação de adolescentes ao tabagismo.
Ressalte-se, ainda, que a agência autoriza todos os aditivos que são tecnicamente justificados como imprescindíveis ao processo de fabricação de cigarros.
O argumento de que a proibição de qualquer substância teria que ser aprovada pelo Congresso Nacional contraria a Lei nº 9.782, que explicitamente confere esse papel à agência —além do fato de que isso tornaria impossível a ação de regulação sanitária.
Imagine se, para banir uma substância integrante de um medicamento que demonstrasse ser insegura, fosse necessária a tramitação de um projeto de lei.
Efetivamente, nem é esse papel regulatório, baseado em evidências e análises tecno-científicas, que deve ser realizado pelo Congresso, nem seria possível proteger a saúde da população se a tese fosse colocada em prática.
Igualmente absurda é a tese de que a proibição de uma substância só poderia se dar a posteriori, depois que o risco à saúde ficasse concretizado. Isso vai frontalmente contra todo o marco utilizado para a proteção à saúde.
Ora, se os aditivos proibidos têm o único propósito de induzir mais crianças e adolescentes a experimentarem o cigarro, sabidamente um dos maiores responsáveis por mortes relacionadas ao câncer e às doenças cardiovasculares, deveria se esperar que daqui a 20 anos se constate que a mortalidade relacionada ao tabaco cresceu para, só então, tomar a medida agora proposta exatamente para evitar esse dano à saúde?
No Brasil, estimam-se em 200 mil as mortes anuais em decorrência do tabagismo. O hábito de fumar pode aumentar o risco de morte em 20 a 30 vezes, sendo que o fumo passivo, que atinge os que não fazem a “escolha” por fumar, pode aumentar este risco em 30% a 50%.
Uma série de medidas tem sido adotada no Brasil nos últimos 30 anos para reduzir os índices de tabagismo, com sucesso, como se pode demonstrar pela redução significativa de 34,8% da população adulta que era tabagista em 1989, para menos de 14% atualmente.
Esperamos que, no julgamento, seja estabelecido que a proteção à saúde pode ser exercida preventivamente ante riscos sobejamente conhecidos, dentro da delegação legal recebida pela Anvisa, e que possamos, nesse caso concreto, impedir que crianças e adolescentes sejam atraídas para o cigarro.
JARBAS BARBOSA é diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), médico sanitarista e epidemiologista, com experiência nacional e internacional em temas como saúde pública, epidemiologia aplicada aos serviços de saúde e vigilância em saúde.
*Fonte: Folha de S. Paulo – Tendências/Debates.